quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Vestida de despedida.


Acordei, como tantos outros dias, envolta em sonhos e coberta de esperança. Mas, ao levantar, percebi que eles não me aqueciam como antes. Estava de pé, com frio, te olhando deitado, a respiração ritmada, uma expressão tranquila no rosto. Invejei aquela tranquilidade, desde a noite em que deitei na sua cama pela primeira vez nunca mais a senti. O vento gelado que entrava pela fresta entre a porta e o chão trouxe culpa. Peguei-a, embrulhei-a com uma manta de mágoa e pus aos teus pés. Afinal, eu não tinha dúvida: a culpa da minha dor era sua. Suspirei, sentindo a decisão que já tinha tomado. Olhei-te uma última vez. Vesti-me de despedida, te entreguei parte da minha alma partida, e fui.

...

Acordei, como tantos outros dias, sem nenhum pensamento me incomodando. Levantei, fiz o café, tomei banho, todo meu ritual matinal perfeitamente sincronizado agora que estava sozinha. Enquanto arrumava a bolsa, o telefone tocou. Ouvi minha própria voz na secretária eletrônica, um bipe, e em seguida você, reclamando que eu não te atendia. Dizendo que me amava. Pedindo desculpas “por tudo”. Pensei em quantas vezes eu havia esperado essas ligações que não vinham. Enquanto eu esperava, elas não vinham. Agora que eu não mais as queria, as ligações eram um lembrete constante do que havíamos perdido.

...

Acordei, como tantos outros dias, abraçada ao travesseiro. Quando me virei, você estava acordado me olhando. Reclamou que eu, que antes dormia com o corpo grudado no seu, agora só queria saber do travesseiro. Não respondi. Sorri, levantei-me e fui fazer o café. Você veio atrás, cheio de carinhos e romantismo, como eu sempre sonhara. Agora era real, mas não me afetava. Você só me queria porque achava que não me tinha. E era verdade. Eu sempre soube que, se não fosse tua, ou se o fosse só parcialmente, você me desejaria. É assim que você funciona, qualquer um percebe. E foi por isso que te deixei parte da minha alma partida aquela manhã. Na esperança de que ela te trouxesse de volta pra mim. E trouxe. Mas o que eu não sabia é que aquela parte, arranhada, sofrida, despedaçada, era também a parte que amava. E, sem ela, eu aprendi a viver sem amor – e sem dor. E agora quem não sabe (ou não quer) voltar sou eu. 




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