quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dorme....

— Era uma vez uma menina muito desengonçada, que vivia sozinha pelos cantos da escola. Ela tinha os cabelos tão loiros quanto os seus, olhos tão vivos quanto os seus, e era de uma pureza tão delicada quanto a sua. Mas essa menina estava triste, pois não tinha a quem abraçar nas noites de frio, nem mesmo ursinhos de pelúcia como o Ted, a Lulu e o Salsicha. Aliás, cadê o Salsicha? Ah, está aqui embaixo.
Bom. Passaram os dias, meses, anos, e esta tão linda menina cresceu sem ninguém, agarrada aos sonhos durante o sono. Ela estudou muito para ficar inteligente, comeu todas as verduras para ficar forte e bonita e cultivou amizades verdadeiras para não ficar tão só. Ela cresceu. Ela ficou inteligente. Ela ficou bonita. Mas dentre todas as suas amizades não havia quem fizesse seu coraçãozinho correr em disparada, suas bochechas corarem de emoção ou suas mãos ficarem geladas com a esperança de um dia estarem eternamente agarradas às deste alguém.
Mas num belo dia, quanto a lua estava bem lá no alto do céu iluminando a tudo e a todos eis que seu príncipe encantado surgiu. E como era bonito o príncipe. Ele também tinha os olhos muito vivos, como se prestasse atenção em tudo.  Tinha uma voz potente e ao mesmo tempo delicada, que embalava a menina, que já não era mais tão menina, até pegar no sono observando o movimento dos seus lábios e o vai e vem da camisa enquanto ele respirava. Por muitas e muitas vezes dormiu escutando o som daquele coração, tentando entender os motivos, as alegrias e as tristezas que o acompanhavam. Só que o sono sempre chegava antes do coração começar a falar, e ela nunca conseguiu entender as coisas que passavam lá dentro de cada tum tum. E os tum tuns iam ficando cada vez mais longe, e longe. E os sonhos cada vez mais perto.
E em um destes sonhos, enquanto a menina dormia, o coração daquele moço chegou de mansinho, sussurrando baixinho, muito pertinho, para lhe entregar um presente. E depois que entregou o presente o coração do moço teve que voltar pra dentro do sonho e para longe da menina, que já não conseguia mais escutá-lo.
Aquele foi o maior sono que ela já teve. Dormiu mais que a Margot. E olha que essa gata dorme demais! E quando a menina acordou, e se espreguiçou tão gostoso quanto a Margot, viu que tinha se tornado mulher. E no seu colo estava o presente que o coração do moço deixou no sonho. Era uma menininha tão pequena que cabia na palma da mão. E era linda, linda, linda como você.
A menina, que agora já era mulher, desejou então que aquele presente pudesse crescer tão forte e tão bonito quanto ela, para poder encontrar seu próprio príncipe encantado e, quem sabe, decifrar os segredos do seu coração, sem medo de ser feliz.
Boa noite, meu amor.
— Mamãe — entre bocejos e longas piscadelas não deixou que sua mãe saísse do quarto — a moça da história é você?
— Sou eu sim, pequena — voltou para a cabeceira da cama e afagou os longos cabelos loiros da filha —, e você é o melhor presente que eu já ganhei.
— E o príncipe é o papai, né?
— Dorme querida. Dorme. 

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