quinta-feira, 27 de setembro de 2012

'Antes que elas cresçam'





Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

Affonso Romano de Sant'Anna

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dorme....

— Era uma vez uma menina muito desengonçada, que vivia sozinha pelos cantos da escola. Ela tinha os cabelos tão loiros quanto os seus, olhos tão vivos quanto os seus, e era de uma pureza tão delicada quanto a sua. Mas essa menina estava triste, pois não tinha a quem abraçar nas noites de frio, nem mesmo ursinhos de pelúcia como o Ted, a Lulu e o Salsicha. Aliás, cadê o Salsicha? Ah, está aqui embaixo.
Bom. Passaram os dias, meses, anos, e esta tão linda menina cresceu sem ninguém, agarrada aos sonhos durante o sono. Ela estudou muito para ficar inteligente, comeu todas as verduras para ficar forte e bonita e cultivou amizades verdadeiras para não ficar tão só. Ela cresceu. Ela ficou inteligente. Ela ficou bonita. Mas dentre todas as suas amizades não havia quem fizesse seu coraçãozinho correr em disparada, suas bochechas corarem de emoção ou suas mãos ficarem geladas com a esperança de um dia estarem eternamente agarradas às deste alguém.
Mas num belo dia, quanto a lua estava bem lá no alto do céu iluminando a tudo e a todos eis que seu príncipe encantado surgiu. E como era bonito o príncipe. Ele também tinha os olhos muito vivos, como se prestasse atenção em tudo.  Tinha uma voz potente e ao mesmo tempo delicada, que embalava a menina, que já não era mais tão menina, até pegar no sono observando o movimento dos seus lábios e o vai e vem da camisa enquanto ele respirava. Por muitas e muitas vezes dormiu escutando o som daquele coração, tentando entender os motivos, as alegrias e as tristezas que o acompanhavam. Só que o sono sempre chegava antes do coração começar a falar, e ela nunca conseguiu entender as coisas que passavam lá dentro de cada tum tum. E os tum tuns iam ficando cada vez mais longe, e longe. E os sonhos cada vez mais perto.
E em um destes sonhos, enquanto a menina dormia, o coração daquele moço chegou de mansinho, sussurrando baixinho, muito pertinho, para lhe entregar um presente. E depois que entregou o presente o coração do moço teve que voltar pra dentro do sonho e para longe da menina, que já não conseguia mais escutá-lo.
Aquele foi o maior sono que ela já teve. Dormiu mais que a Margot. E olha que essa gata dorme demais! E quando a menina acordou, e se espreguiçou tão gostoso quanto a Margot, viu que tinha se tornado mulher. E no seu colo estava o presente que o coração do moço deixou no sonho. Era uma menininha tão pequena que cabia na palma da mão. E era linda, linda, linda como você.
A menina, que agora já era mulher, desejou então que aquele presente pudesse crescer tão forte e tão bonito quanto ela, para poder encontrar seu próprio príncipe encantado e, quem sabe, decifrar os segredos do seu coração, sem medo de ser feliz.
Boa noite, meu amor.
— Mamãe — entre bocejos e longas piscadelas não deixou que sua mãe saísse do quarto — a moça da história é você?
— Sou eu sim, pequena — voltou para a cabeceira da cama e afagou os longos cabelos loiros da filha —, e você é o melhor presente que eu já ganhei.
— E o príncipe é o papai, né?
— Dorme querida. Dorme. 

Vestida de despedida.


Acordei, como tantos outros dias, envolta em sonhos e coberta de esperança. Mas, ao levantar, percebi que eles não me aqueciam como antes. Estava de pé, com frio, te olhando deitado, a respiração ritmada, uma expressão tranquila no rosto. Invejei aquela tranquilidade, desde a noite em que deitei na sua cama pela primeira vez nunca mais a senti. O vento gelado que entrava pela fresta entre a porta e o chão trouxe culpa. Peguei-a, embrulhei-a com uma manta de mágoa e pus aos teus pés. Afinal, eu não tinha dúvida: a culpa da minha dor era sua. Suspirei, sentindo a decisão que já tinha tomado. Olhei-te uma última vez. Vesti-me de despedida, te entreguei parte da minha alma partida, e fui.

...

Acordei, como tantos outros dias, sem nenhum pensamento me incomodando. Levantei, fiz o café, tomei banho, todo meu ritual matinal perfeitamente sincronizado agora que estava sozinha. Enquanto arrumava a bolsa, o telefone tocou. Ouvi minha própria voz na secretária eletrônica, um bipe, e em seguida você, reclamando que eu não te atendia. Dizendo que me amava. Pedindo desculpas “por tudo”. Pensei em quantas vezes eu havia esperado essas ligações que não vinham. Enquanto eu esperava, elas não vinham. Agora que eu não mais as queria, as ligações eram um lembrete constante do que havíamos perdido.

...

Acordei, como tantos outros dias, abraçada ao travesseiro. Quando me virei, você estava acordado me olhando. Reclamou que eu, que antes dormia com o corpo grudado no seu, agora só queria saber do travesseiro. Não respondi. Sorri, levantei-me e fui fazer o café. Você veio atrás, cheio de carinhos e romantismo, como eu sempre sonhara. Agora era real, mas não me afetava. Você só me queria porque achava que não me tinha. E era verdade. Eu sempre soube que, se não fosse tua, ou se o fosse só parcialmente, você me desejaria. É assim que você funciona, qualquer um percebe. E foi por isso que te deixei parte da minha alma partida aquela manhã. Na esperança de que ela te trouxesse de volta pra mim. E trouxe. Mas o que eu não sabia é que aquela parte, arranhada, sofrida, despedaçada, era também a parte que amava. E, sem ela, eu aprendi a viver sem amor – e sem dor. E agora quem não sabe (ou não quer) voltar sou eu. 




terça-feira, 18 de setembro de 2012

É bem assim.....




"Mudei porque amadureci ... mudei porque passei por tantas e tão diversas experiências, que consegui aprender com meus próprios erros ... mudei porque me decepcionei com amigos ... mudei porque me decepcionei com amores ... mudei porque conheci pessoas tão especiais que fui capaz de me inspirar por elas e me espelhar nelas para me tornar uma pessoa diferente ... talvez uma pessoa melhor.
O tempo passou, eu mudei e nem tudo, nem todos, me acompanharam.
Mas valeu a pena."

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

.......


"Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar.
É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim.
Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto, mas eu não quero outro canto, eu quero insistir no nosso canto.
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista."
Tati Bernardi