sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O buquê

Amores arrebatadores, paixões violentas, hormônios latejando à flor da pele, ligações desesperadas. O céu e o inferno ao mesmo tempo. Era disso que ela precisava pra se sentir viva. Queria poesia, serenata e sexo em lugares inusitados. Não fosse assim, achava que a vida era um tédio. Trocava o certo pelo duvidoso, morrendo de medo de perder oportunidades. Repetia com a boca cheia e o peito estufado ‘só me arrependo do que não fiz’, mas sequer escutava o que dizia. Tinha aversão à rotina, embora não conseguisse escapar dela. Os dias da semana aconteciam inevitavelmente na mesma ordem, assim como os meses. Cuidava do corpo e isso lhe exigia uma alimentação equilibrada, o que implicava em mais rotina. Salada, carne grelhada, arroz integral, e de novo, e de novo. Academia e clínicas de estética hoje sim, amanhã não, depois de amanhã sim, depois de depois de amanhã não, para sempre. E pra suportar essas regras todas, (e só uma mulher sabe o peso que a palavra “regra” tem - regras nos fazem sangrar) só com muita quebra. E pra ela, amor era isso, amor era quebra. Se quebrava pra quebrar a rotina, se quebrava pra conseguir os caras que queria, e exigia reciprocidade na relação. Então complicava a vida dos seus parceiros, pois eles deviam também que se quebrar por ela, esse era o amor que ela precisava. Sedenta de vida que ela era, caso estivesse sem amor e sem quebras, achava que era apenas um corpo transitando pelo mundo. Então se entorpecia de amores arrebata-dores, e isso de fato doía, e porque doía, sabia que estava viva. E um dia a moça estava tão quebrada, mas tão quebrada, que nem pôde perceber que a dor lhe anestesiara. Ela já tinha se acostumado com as quebras, com as dores, e isso já não lhe era mais prova de vida. Afogada em intensidades, não podia mais sentir.Se tem uma coisa que os seres humanos são muito bons em fazer, é se adaptar. A gente se acostuma tão fácil com as coisas, que se acostuma até a não se acostumar. E então a garota se acostumou, e por isso, não pôde perceber. E nesse dia a moça ganhou um buquê, de um cara que se quebrava por ela. Olhando para o buquê, se deu conta de que nada sentia pelo cara, mas que se afeiçoava pelas flores. Pelas flores mortas. Lindas e mortas. Lindas, mortas e bem cobertas com plásticos e laços de fita. Então deu-se conta de que ela mesma era um próprio buquê. Alma morta e bem vestida em seu corpo cuidado por academias e alimentação balanceada. E por mais assustador que lhe tivesse sido pensar nisso, gostou de escutar o seu próprio pensamento. Gostou da sua própria companhia, e percebeu que todas as suas relações e frases, por mais intensas que tivessem sido até aquele momento, pareciam todas falsas. Quando a gente descobre uma parte verdadeira de si, parece que todas as outras são mentirosas. Então ela se sentia uma mentira que até então perambulara pelo mundo dissipando falsidade. Linda e morta, oras, como é que ela não tinha pensado nisso antes? E diante de si mesma, sozinha com os seus pensamentos, ela pensou que ser um buquê até que poderia ser bom. Aí decidiu ser um buquê, de propósito. Não um buquê de coisa bonita e morta, mas um buquê de vinho, que é aquele aroma que você sente sem saber muito bem com qual dos sentidos. É uma coisa que fica, mesmo depois que vai. Assim como era ela mesma. Morta de alma, sim, mas de corpo vivo. E de repente, isso de estar viva ou morta já não lhe importava mais. Aí o leitor pode pensar que a personagem abandonara o cara que mandou as flores mortas pra ela e foi ser feliz sozinha e apaixonada por si mesma. Mas esse final seria hipocrisia. Porque então ela repetiria as quebras da sua vida mais uma vez. Então eu nem sei dar um final pra essa história sem ser hipócrita, e por isso eu acho que a personagem não mudou nada na vida dela. Porque as mudanças quando acontecem, são dentro de si, e não fora.

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